Infância Colorida

Nascido em 06 de maio de 1892, na Vila de São Bento, no Maranhão, Raymundo Porciúncula de Moraes foi o 12° dos 17 filhos (13 homens e 4 mulheres) de José Alípio de Moraes – magistrado, músico, compositor e regente – e de Teresa dos Anjos Porciúncula de Moraes, professora (cantora e musicista amadora). Seu pai ensinou todos os filhos e filhas a tocarem instrumentos musicais, formando uma verdadeira orquestra familiar.

Aos 10 anos, morando na vila de Cururupu e com vocação para a pintura, já manifestada em desenhos nos cadernos e nas paredes e muros da casa, recebeu do irmão e padrinho, Celino, o que considerou o seu primeiro grande incentivo: uma caixa de lápis com doze cores. As flores e frutas, temas preferidos do talento precoce, sempre muito coloridas, passaram a figurar com mais freqüência no material escolar e a serem requisitadas por amigos e admiradores.

O Verdadeiro Original

Com 15 anos, outra habilidade de Dico, como era conhecido em família, também chamava a atenção: a de calígrafo. Por desenhar bem todos os tipos de letra, era procurado por comerciantes para fazer cartazes e outros trabalhos de propaganda. Ao candidatar-se a uma vaga de desenhista na editora A Revista do Norte, surpreendeu pela pouca idade. Para testá-lo, o proprietário lhe pediu que reproduzisse um quadro “de uns dos bons mestres de Paris”. No dia combinado, o jovem Porciúncula entregou a sua versão como sendo o original e disse não ter conseguido cumprir a tarefa. À reação compreensiva do homem, mostrou o verdadeiro original, cuja cópia que fizera era idêntica. Foi contratado na hora.

O encontro com aquele que define como seu “primeiro mestre”, o espanhol Antonio Rabasa, recém-chegado à São Luís, deu-se após Porciúncula ver paisagens do artista ornamentando a decoração de um novo bar da cidade. Não hesitou em pedir umas aulas a Rabasa, que o acolheu e foi um grande incentivador da sua ida para o Rio de Janeiro, cuja efervescência cultural e a possibilidade de convívio com grandes artistas reputava como fundamentais para o seu aprendizado. Entre 1916 e 1917, antes de conhecer a então capital federal, Porciúncula foi visitar um irmão em Belém. Lá, passou cerca de um ano e meio e encontrou “um ambiente de arte mais adiantado que em São Luís” e teve aulas com José Girard, pintor paraense que havia estudado em Paris.

O Sol nas Montanhas

Em 19 de março de 1918, desembarcou no Rio de Janeiro e não tardou a buscar novos mestres e locais para estudos. Como aluno livre da Escola Nacional de Belas Artes, freqüentou o Atelier dos irmãos Bernadelli – Henrique, pintor e Rodolpho, escultor – onde se reuniam expoentes da arte brasileira. À noite participou das aulas de Modelo Vivo, no Liceu de Artes e Ofícios, orientadas pelo pintor Eurico Alves. Estudioso e dedicado, conseguiu, por concurso, o cargo de desenhista no Instituto Oswaldo Cruz, o que lhe garantiu tranqüilidade para prosseguir com sua pintura. Foi um dos criadores do setor de desenho técnico daquele Instituto, então, Manguinhos. Tornou-se amigo de Oswaldo Cruz e, como não tinha família no Rio, passou uma temporada vivendo em seu local de trabalho.

Em 1920, estreou no Salão Nacional de Belas Artes com o quadro O Último Beijo, “grande paisagem fixando o anoitecer, o último beijo do sol nas montanhas, pintado de Manguinhos, vislumbrando toda a paisagem até a Tijuca”. À primeira participação seguiram-se muitas outras como Menção Honrosa, de segundo grau, em 1924, Medalha de Bronze em 1925 e Medalha de Prata em 1954, com o quadro A Sesta, de 1950. Por fim, recebeu o título de Hors-Concours tornando-se expositor assíduo naquele Salão. De 1923 a 1925, insatisfeito com os rumos do Salão, reuniu colegas expositores e organizou o Salão da Primavera do Impressionismo, realizado no Liceu de Artes e Ofícios.

Participou de inúmeras exposições nacionais e internacionais (Estados Unidos, Argentina) e obteve diversas premiações e medalhas (ver em Exposições Premiações e Medalhas)
Em 05 de janeiro de 1933, casou-se com a professora normalista Edwiges Cecy Peixoto Porciúncula de Moraes (falecida em 1976), com quem teve três filhos: Maria Apparecida, José Henrique e Maria Teresa. Teve, também, três netos: Leonardo, Alexandre e Cecília, filhos de Maria Apparecida e Rucemah Leonardo Gomes Pereira.

Encontro com os Impressionistas e cotidiano

Em 1972, com sua obra já consolidada, viajou pela primeira vez à Europa, onde teve a oportunidade de conhecer os principais museus, em Londres, Paris e Amsterdam. Além de pintor, aquarelista, desenhista e ceramista, Porciúncula de Moraes foi escritor, crítico de arte, ensaísta e poeta. A familiaridade com as letras pode ser conferida em ensaios para O Jornal, do Rio de Janeiro, nos livros Estética Desfigurada e Palheta Sonora, publicados, respectivamente, em 1967 e 1980, e nas poesias que produziu nos anos 70, publicadas em Palheta Sonora e no Anuário de Poetas do Brasil, editado entre 1975 e 1979 (ver em Poesia).

Seguindo a tradição musical da infância, nas horas vagas arranhava um violão e tocava piano, instrumentos sempre presentes em seu Atelier. Chegou a compor uma valsa, Falando aos Anjos, para Cecy, sua esposa (ver livro Palheta Sonora).

Tornou-se desenhista-chefe do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, cargo que exerceu até a sua aposentadoria. Foi também professor de desenho da rede de escolas públicas de segundo grau do Estado do Rio de Janeiro, tendo trabalhado, por vários anos, na Escola Orsina da Fonseca, na Tijuca. Também ensinou desenho em colégios particulares como Mello e Souza e Mallet Soares, em Copacabana. Deu cursos livres de arte na Escola Nacional de Belas Artes e em seu Atelier, aberto em 1952, nos fundos de sua casa, na Rua Bolívar 168, em Copacabana, com exposição permanente de suas obras. O artista fazia questão de estar presente para tirar dúvidas, ouvir opiniões e debater com os visitantes. Faleceu em 14 de novembro de 1981, no Rio de Janeiro.

Victor Garrido
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